quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

ZE LIMEIRA e AMAZAN NO CÉU

Segundo Amazan, essa cantoria deu-se no céu, o resto fica por sua conta...


ZÉ LIMEIRA, UM ABSURDO NO CÉU

Foi no "meiado" de junho
Num dia de quarta-feira
Do ano de 87
Qu'eu vi pela vez primeira
Na casa do Pai Eterno
O poeta Zé Limeira.

Não sei se estava dormindo
Não sei se estava acordado
Sei que chegou uma nuvem
Quando eu estava deitado
E um anjo gritou: -Vambora!
Que nós já tamo atrasado.

Eu disse: -Vamos pra onde?
O anjo disse: -Acolá
Do poeta Zé Limeira
Você hoje vai ser o par
A cantoria é no céu
Mandaram eu vir Ihe buscar.

Mas eu não sou repentista
Não improviso direito
Sou poeta de bancada
O anjo disse: _ Sujeito
Mandaram eu vir Ihe buscar
Vou levar de qualquer jeito.

Saltou num par de algemas
Eu disse: -Precisa não
Já que é assim eu vou
Sem haver alteração
Quando chegamos no céu
São Pedro abriu o portão.

Entramos de céu adentro
o anjo cumpriu o trato
Quando Limeira me viu
Disse: _ Esse eu hoje mato
Porque sei qu 'ele não tem
O foigo de sete gato.

O salão tava lotado
Eu nunca vi tanta gente
Raimundo Asfora tomando
Um whisky diferente
Até Augusto dos Anjos
Tava sentado na frente.

Assim que Asfora me viu
Veio logo me dizer:
- O Matuto nas Oropa
Qu'eu mandei você fazer
Mais tarde você declame
Que Augusto quer conhecer.

Daí a pouco Jesus
Levantou-se pra falar
Fez um ligeiro discurso
Deu ordem pra começar
A platéia fez silêncio
Nós começamos cantar.

Amazan: -Tenho certeza que hoje
A poesia de Zé
Vai superar os limites
Se Jesus Cristo quiser
Como Ele está assistindo
É evidente que quer.

Limeira: -Tabaco bom é rapé
Fêjão, arroz e farinha
Viva Pedro Malazarte
Viva o rei, viva a rainha
E viva o dono da festa
Grande ladrão de galinha.

Amazan: -Vejam que coisa mesquinha
Chamar Jesus de ladrão
Limeira está enganado
Sem roteiro e sem razão
É bom que o colega faça
Uma retificação.

Limeira: -Limeira é como um cancão
Cantano num pé de fruta
Tem a guela sadia
Com ele ninguém disputa
Aonde Limeira canta
Com oito légua se escuta.

Amazan: -Porém hoje a nossa luta
Eu não sei quem vai vencer
Eu quero que seja eu
Você que seja você
Tanto você quer ganhar
Como eu não quero perder.

Limeira: -No dia que eu descer
Aqui de cabeça abaixo
Pra cantar filosomia
Vou vencer até o diacho
Até mesmo Vila Nova
Nesse dia apaga o facho.

Amazan: -Deixe o povo lá de baixo
Cante com mais atenção
Pegue a deixa que eu deixo
Não faça contradição
Que agora o assunto é novo
Devemos saudar o povo
Que está aqui no salão.

Limeira: -No tempo que Salomão
Foi prefeito da Bahia
vivia que nem um bode
Cumeno o que aparecia
Numa certa madrugada
Ficou de pimba encarnada
Cumeno o cu de uma jia.

Amazan: -Santo Deus, Virgem Maria
Se eu tô ouvindo direito
Zé Limeira continua
Cantando do mesmo jeito
Está me causando espanto
Até na frente dos santos
Ele falta com respeito.

Limeira: -Limeira canta perfeito
Dê o caso no que dé
Tá escrito lá na terra
Em mais de trinta papé
Pra trás, pra frente e de banda
Limeira véi é quem manda
Aqui nesse cabaré.

Amazan: -Cante lá o que quiser
A mim você não espanta
Faça aí seu misturado
Pode espremer a garganta
Pode até na cantoria
Trocar José por Maria
Dizer que o Santo é a Santa.

Limeira: -Zé limeira quando canta
A cabra abutica o ôi
A véa fica zarôia
O véio fica zarôi
Vi numa noite de festa
Um jegue cossano a testa
Na garupa dum piôi.

Amazan: -Certa vez o meu pai foi
No sítio de seu vizinho
Cortou um pé de coqueiro
Conseguiu trazer sozinho
Fez uma força danada
Mas deu uma paulada
Nesse dito piolhinho.

Limeira: -Diga a Zé Alves Sobrinho
Que lá eu não volto mais
Pretendo cantar com ele
De frente do Brasilgás
Dei um tiro num veado
Fedeu a xifre queimado
São Pedro saiu pra trás.

Amazan: -Eu também cheguei num cais
Era sexta-feira santa
Com minha boa espingarda
Enrolada numa manta
Atirei num tubarão
Matei cinquenta pavão
Dois macaco e uma anta.

Limeira: -Tanto sô bom de garganta
Como sô bom de guela
Tanto faz a mãe do diabo
Como a prima da mãe dela
Vai passando um poico ispim
Com um feixe de capim
Amarrado nas costela.

Amazan: -Limeira se afragela
Com seu cantar sem enredo
Não junta coisa com coisa
Já descobri seu segredo
Se tem bom guardado bote
Que Amazan dá pinote
E não acha de que ter medo.

Limeira: -O Presidente Tancredo
Me contô a sua esposa
Vivia tirando leite
No sovaco de raposa
Foi vigário em Soledade
Com trinta anos de idade
Foi delegado de Souza.

Nisso Jesus levantou-se
Nos entregou em seguida
Um mote pra ser glosado
A gente deu uma lida:
" Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a Vida".

Amazan: -Preguei ao mundo amor
E a paz com fidelidade
Andei por muitas cidades
Na vida de pregador
Fui bom mestre, bom pastor
Salvei a gente perdida
Minha missão foi cumprida
Hoje meu gozo é profundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Quando pregano eu vivi
Com meu martelo véi cego
Certa vez pregano um prego
Na hora me distraí
Errei o prego e bati
Na minha unha querida
A unha ficou fudida
Soquei o dedo no fundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Amazan: -Fui coroado de espinho
Chicoteado também
Não me vinguei de ninguém
Retribuí com carinho
Proseguí o meu caminho
Naquela estrada comprida
Fui morto e logo em seguida
Ressussitei num segundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Um dia eu peguei um trem
Deixei o sítio Tauá
Saí por dentro do má
E fui bater em Belém
O pade dizia amém
Na hora da despedida
Montei na besta parida
Fui visitar São Raimundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Amazan: -Desde de pequenininho
Começou meu sofrimento
Andei até de jumento
Naquele longo caminho
Cresci como um passarinho
Ou ovelha perseguida
Levei a cruz desmedida
Até cair, moribundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Eu também vi uma cruz
Nas custelas dum jumento
Um papa cumeno vento
Misturado com cuscuz
Uma véa dano a luz
A uma cobra comprida
Vi uma vaca parida
C'uma bichêra no fundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Houve uma salva de palmas
Com risos e gargalhadas
Limeira gritou: - Agora,
Vamos dar uma parada
Traga o litro de zinebra
p'eu tomá uma lapada.

Eu tomei umas de vinho
E um cigarro acendi
Asfora entregou um mote
Eu glosei depois que li
"Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci".

Amazan: -Alguém que disser na terra
Qu'eu fui covarde demais
Não conhece os ideais
Que minha cabeça encerra
Eu me livrei de uma guerra
Que dentro dela vivi
Quando da vida parti
Ultrapassando as extremas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Limeira: - Quando eu estava na guerra
Na sêca de vinte e três
Ouvi um galo pedrês
Cantar na aba da serra
Começou tremer a terra
Na hora qu'eu presenti
Pelo mato escapoli
Fui esbarrar em Coremas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Amazan: -Vivo como um sabiá
Que não conhece gaiola
Liberto como uma bola
De sabão solta no ar
Não gosto nem de lembrar
Da vida que lá vivi
No dia em que eu morri
Livrei-me dos meus dilemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Limeira: -Arroche o nó da gravata
Que Limeira vai cantá
Cinco quilo de jabá
Nove lata de batata
Um pato comeno a pata
Na bêra do lago eu vi
Na mesma hora assisti
A briga de duas emas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Amazan: -Sou como uma borboleta
No jardim celestial
Ou como um original
Que saiu de uma gaveta
Aqui ninguém se aproveita
Das coisas que aprendi
Graças a Deus consegui
Uma vida sem problemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci

Limeira: -Eu já vi um bacurau
Voando no mêi do dia
Já vi uma melancia
Não cabê no meu quintal
E um boi de carnaval
Cumeno capim eu vi
No mesmo dia assisti
Desfile de sariemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Augusto dos Anjos levantou-se
Colocou na cadeira o seu chapéu
Veio em nossa direção trazendo um mote
Nós glosamos como estava no papel:
"Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu"

Amazan: -As violas desses dois estão partindo
Minha alma e rachando o coração
Cada acorde é um galho de ilusão
Cada nota uma folha se bulindo
Vejo a copa do velho tamarindo
Retratada nesse bojo tão fiel
Nesse som tão gostoso como mel
Vejo ramas de feijão e gitiranas
Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Limeirinha do Tauá está cantano
Reda pau, reda peda, peda arreda
Cada soco que eu dô é uma queda
Traz agulha, traz a linha, cose o pano
Nove quilo de melão São Caetano
Trago tudo na copa do chapéu
Pindurado no rabo dum tetéu
Viajei pelo sul duas semanas
Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu

Amazan: -Não consigo esquecer um só momento
Dos momentos de minha infância doce
Muito embora sendo coisa que passou-se
Trago ainda do passado um fragmento
Dumas noites que cantava no relento
Vendo a névoa tão formosa como véu
O orvalho molhando o meu chapéu
E o vento embalando os pés de canas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Eu já vi um vigário sem batina
Na carreira correno atrás da neta
Uma vaca passear de bicicleta
Arredó do mercado de Campina
Um jumento tocano sarafina
Uma freira saindo dum motel
Um menino sem querer o carrossel
E um macaco injeitano três bananas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Amazan: - Eu aqui nesse reino tão sagrado
Levo a vida feliz sempre a cantar
Foi não foi eu começo a me lembrar
Quando leio no livro do passado
Do engenho aonde eu fui criado
Vendo a bica jorrando aquele mel
E o moinho girar tal carrossel
Transformando em bagaço aquelas canas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Uma vez eu cantava no Tauá
Numa noite chuvosa de sol quente
Vi um gato comeno uma serpente
Atrepado num pé de trapiá
Um cachorro se espremendo pra cagá
E um macaco de olho no anel
Uma casca de cobra cascavel
Enrolada num cacho de bananas
Em elucubrações paudarquianas
Minh´alma vibra na viola aqui no céu.

O povo batendo palmas
Limeira entusiasmado
Tomou uma de zimebra
E deu um grito aloprado -
Isso aqui né ninguém não
É Limeira véi falado!

Naquele mesmo momento
Chegou um anjo vechado
Disse: -São Pedro, lá fora
Tem um cabra embriagado
É bom o senhor ir lá
Qu'ele tá querendo entrar
Sem confessar os pecados.

Jesus olhou pro relógio
E começou comentar:
- Essa hora aqui no céu
Todo bêbado quer entrar
Pode ser que algum consiga
E pra gente evitar briga
É melhor finalizar.

Mesmo o poeta da terra
Tem que voltar em seguida
Antes do sol despontar
No horizonte da vida
Como está chegando a hora
Sugiro que cantem agora
O tema da despedida.

Limeira: -Sô Limerinha falado
Cabôco véi do Tauá
Customado a campiá
Poico, jumento e veado
Mas também sô preparado
Na santa filanlumia
Padim Ciço já dizia
Depois da segunda guerra
Qu'eu era o mió da terra
Adeus até outro dia.

Amazan: - Sei que agora só me resta
Agradecer e saudar
O povo que aqui está
Dando brilho a nossa festa
Numa hora como esta
Eu esquecer não podia
Da santa Virgem Maria
Que também está me ouvindo
Minha gente eu já tô indo
Adeus até outro dia.

Limeira: - Adeus a São Rafael
Que é o dono do bá
Foi vigário no Tauá
Hoje é vaqueiro no céu
E o véio São Miguel
Que é o dono da padaria
Só fabrica melancia
Chapéu de côro e butina
No mercado de Campina
Adeus até outro dia.

Amazan: - A essa gente tão boa
Que a história consagra
Adeus Figueiredo Agra
Zé Américo e João Pessoa
Para os bravos de Lisboa
Que há muito tempo existia
Saudarei na cantoria
Os reis que foram tão bons
Grande poeta Camões
Adeus até outro dia.

Limeira: - Até logo São José
Vendedô de macaxeira
Adeus Manué Bandeira
Que é chefe do cabaré
O sapo fez rapapé
Sautô nos quarto da jia
Nisso chegô o vigia
Com um cacete de lado
Baixe a pomba seu tarado
Adeus até outro dia.

E assim findou-se a noitada
Na casa do Pai fiel
Depois que desci à terra
Numa nuvem de aluguel
Fui pra mesa nas carreiras
E transcrevi Zé Limeira
Um Absurdo No Céu.

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